domingo, 13 de junho de 2010

6 - But he took me home instead…


Monster

A sensação era como se eu tivesse mergulhado em um mar revolto e a força da água me puxasse para baixo. O ar me escapava dos pulmões a cada onda de flashes que batia em meu rosto e o zumbido em meus ouvidos me deixava enjoada. Não seria estranho se eu me curvasse sobre a calçada e vomitasse uma cascata de desespero, batendo meus joelhos no concreto, abrindo novas feridas na pele que refletiam as feridas internas. Uma foto falava por mil palavras e eu seria acusada de embriaguez pós-balada, destaque em todos os canais de comunicação que tinham interesse em minha jornada. Mais ninguém sabia o que me fez cometer um ato insano e me meter no meio de um grupo de fotógrafos famintos. Eu seria o jantar especial da noite, o prato principal de um banquete e a digestão seria maravilhosa. Bolsos cheios de dólares conseqüentes de fotos únicas de uma atriz na madrugada louca de Los Angeles.

Havia no mínimo uns cincos fotógrafos perto demais de mim e suas câmeras estavam a centímetros de meu rosto, algumas até batendo em meu ombro e outras partes de meu corpo. Eu tentava cobrir minha face com a bolsa, mas o restante de minha imagem estava vulnerável a ser captura da maneira que eles quisessem a cada click que eu distinguia dos gritos. Eu era um quadro branco pintado com as tintas disponíveis e por mãos frenéticas, ou seja, amanhã eu seria um borrão do meu verdadeiro eu. Nenhuma imagem mostraria a verdadeira Kristen afundada em seu desespero.

O que eles diziam não fazia o menor sentido, mas pelo menos eu estava andando. Eu avançava às cegas em direção a lugar nenhum, fugindo de uma dor e chegando aos poucos em uma pior. Me fazia sangrar hemorragicamente saber que ninguém ali me conhecia direito, mas se achava no direito de apontar o dedo e indicar minhas falhas. Eles não eram os verdadeiros julgadores de meu caso, mas eu havia ido à Júri Público e esperaria a sentença sem poder reivindicar algo que me era direito; privacidade. Não foi uma vida pública que eu escolhi? Arque com as conseqüências, atriz de milhões de dólares.

- Um sorriso, Kristen. - gritaram com desejo.

“Não há motivo para sorrir, perdão”

- Onde está Ashley?

“Em uma situação melhor que a minha”

- É verdade que você e o Jackson voltaram?

“Como é...”, mas antes que eu pudesse concluir meu raciocínio a multidão aumentou. Como se tivessem aberto um bueiro e as baratas corressem loucamente em busca de algo para infectar. Queria seria o alvo mais fácil? A atriz fragilizada com imunidade baixa. Eu não tinha mais como prosseguir nem como voltar, estava presa e cercada por Canons profissionais e ágeis, por homens de camisa de flanela e boné virado para trás. Cada piscada cheia de pânico que eu dava era registrada e eu podia ver que eles estavam “quase lá” por minha causa. Melhor que um orgasmo sexual era ter um orgasmo monetário com as fotos milionárias que minha imagem gerava. Mas eles seriam os únicos a gozarem naquela noite, pois o máximo de demonstração de sentimento que eu teria seriam as lágrimas inundando meu rosto quando eu estivesse em casa segura e viva.

Sair viva e segura parecia impossível e meu desespero aumentou quando avistei meu carro na esquina, mas eu não podia utilizá-lo para minha fuga ideal do inferno fotográfico. Estava a apenas alguns passos dele e o aperto das pessoas ao meu redor aumentava impossivelmente, os homens com câmeras pareciam se materializar do nada só para me deixar em uma situação pior. Eu queria gritar, mandar cada monstro daqueles se foder, correr para longe, me encolher no canto de uma parede e chorar até secar. Seria taxada de louca, claro, mas minhas loucuras não poderiam ser entendidas por ninguém além de minha mente, a única que sofria junto comigo e com meu coração a cada flash que atingia minha imagem.

Foi então que surgiu algo que me salvou. Eu tinha parado no meio da calçada por ser incapaz de continuar andando com aquela multidão ao meu redor e estava pronta para desistir quando um casaco frio foi jogado sobre minha cabeça e eu senti um braço forte me segurar pela cintura.

- Eu vou te tirar daqui. - meu salvador disse em meu ouvido. - Me dê a chave de seu carro.

- O quê... - falei tentando tirar o casaco de minha cabeça para ver quem me ajudava, mas ele me impediu.

- Ainda não. Me dê a chave de seu carro que eu te levo para algum lugar seguro.

- Na minha bolsa. - disse o entregando a bolsa pequena e voltando a caminhar com a ajuda dele.

Com aquela proteção nós conseguimos avançar e eu me sentia mais segura, como se não estivesse mais ali ou aquele casaco sobre mim me deixasse invisível. Certamente os fotógrafos estavam mais interessados no homem que ajudava uma das atrizes mais famosas dos últimos tempos e eu não era o alvo dos flashes pela primeira vez em muito tempo. Não importava com quem eu estava ou o que a outra pessoa estava fazendo, as câmeras sempre seguiam os movimentos de Kristen Stewart e naquele momento eu pude sentir o que era não ser o centro das atenções. Estranho, mas longe de ser uma sensação ruim.

Pude ver que nós chegamos ao meu carro e meu salvador pediu que eu esperasse ao lado da porta do passageiro enquanto ele destravava e me permitia entrar. Sentei no banco de couro puxando o casaco para me proteger das lentes já que os vidros do carro não podiam ser negros o suficiente e em pouco tempo escutei o motor dando partida e os pneus atritando contra o asfalto quando nós escapamos do circo armado na porta da boate e eu pude respirar aliviada.

- Acho que você já pode tirar o casaco. - ele sugeriu em um murmuro abafado pela potência do motor do carro.

Debaixo do casaco era seguro, eu me sentia no casulo de aço impenetrável que fazia falta quando eu caminhava pelas ruas de LA e praticamente esbarrava com um homem portando uma câmera a cada esquina, mas minha imagem de psicótica-dramática só iria aumentar se eu resolvesse me esconder para sempre sob o casaco de um estranho, então resolvi me livrar dele e ver qual a face do meu salvador. O que eu não esperava era encontrar a personificação de homem dos sonhos na terra e em minha frente.

Ele ligou a seta dando sinal para a direita antes de viramos a esquina e eu percebi como seus dedos eram longos e esculpidos, combinando com sua mão grande que segurava o volante com firmeza. Meus olhos analisaram sua face de lado para mim, o maxilar marcado coberto por uma barba não muito espessa de pêlos grossos e o nariz levemente torto, descendo para seus lábios apertados em uma linha dura e sua expressão de seriedade enquanto fitava a rua. Ele notou que estava sendo analisado por mim e virou o rosto para me encarar sério, me lançando olhos azuis capazes de congelar qualquer pessoa tamanha era a frieza que eles passavam.

Mas antes que eu pudesse abrir minha boca para pergunta como, quando, onde e por quê, ele virou outra esquina, acelerou para o estacionamento vazio de um posto de gasolina abandonado e parou o carro bruscamente. Desligou-o, tirou a chave da ignição e me entregou dando um sorriso de canto.

- Ei, espere! - gritei o seguindo quando ele deixou o carro.

- Algum problema? - ele perguntou enquanto discava algo no celular.

- Quem é você? Por que você fez isso? - desembuchei a perguntar sem freio. - Como você aparece no meio do nada e me tira de lá?

- Eu não deveria fazer isso? - ele retrucou com as sobrancelhas unidas em uma expressão de dúvida. - Você me parecia em perigoso, mas acho que fiz errado em te ajudar, não é?

- Não. É só que... eu não esperava.

- Isso se chama surpresa, está no dicionário.

- Ei! - o repreendi irritada com sua atitude. - Quem você pensa que é para falar assim comigo?

- Desculpe, mas eu te ajudei e o mínimo que você me deve é um agradecimento.

- Eu ia te agradecer.

- Ótimo. Ajuda a limpar sua imagem de grossa com as pessoas.

Eu já estava pronta para retrucar aquela acusação quando uma moto surgiu do nada e estacionou em nossa frente. O motociclista tirou o capacete e revelou um cara de minha idade de olhos bem azuis, pele muito branca e cabelo negro jogado em franja sobre seus olhos.

- Já estava te ligando, cara. - meu salvador disse se aproximando dele. - Pegou minha mochila?

- O Bobby levou. - o homem respondeu. - Vamos. Miley Cyrus bêbada na saída da Viper Room. O Sam acaba de me passar a informação.

- Excelente. - ele sorriu pegando o capacete e enfiando a cabeça.

- Espere! - gritei com passos apressados em direção aos dois. - Qual o seu nome?

- Pattinson. - ele respondeu abrindo a viseira do capacete e me fitando com seus olhos levemente apertados. - Robert Pattinson.

- Eu sou...

- Eu sei quem você é. - Robert Pattinson me disse e fechou a viseira.

Seu amigo acelerou com a moto e os dois desapareceram em questão de segundos, me deixando sozinha em um posto de gasolina abandonado e em uma rua perigosa. Me apressei para entrar em meu carro e segurei o volante com as duas mãos apertando a proteção de couro enquanto respirava fundo para assimilar tudo o que ocorreu comigo desde que eu sai de casa. Nada tinha saído como o planejado e minha vida tinha dado um giro louco e parado em posições inesperadas. Eu tinha deixado um ex-namorado para trás - novamente - e tinha enfrentado uma multidão de paparazzis. Pior que isso; eu tinha confiado em um deles.

Robert Pattinson

Seu nome deveria soar como xingamento em minha mente e eu jamais ousaria falá-lo em voz alta por se tratar de mais um, só que sua atitude tinha mexido comigo. A pobre atriz desolada tinha encontrado salvação na mão de seu algoz. Irônico, não? No mínimo piegas...

It took a life span and no cellmate to long way back…

Interpol tocando em meu celular me despertou do susto pós-revelação da identidade de meu salvador e eu joguei o conteúdo de minha bolsa no banco para procurá-lo. O nome de Ashley piscava na tela junto com nossa foto nos bastidores de algum filme da saga e eu respirei fundo já esperando a gritaria que seria sua ligação.

- Onde você se meteu? - ela bradou antes que eu dissesse “oi”.

- Tive alguns problemas...

- Todo mundo na Trash estava comentando que você foi cercada por paparazzis na porta e depois desapareceu. Que merda você fez, Kristen?

- Por que tem que ser minha culpa, hein? - retruquei indignada com minha fama de procurar confusão.

- Porque só você é louca o suficiente para sair sem segurança de uma boate que vive cheia de fotógrafos na porta. Você poderia ter se machucado, sei lá. Já parou alguma vez para pensar nas conseqüências de seus surtos psicóticos?

- Alguém me ajudou, não se preocupe. Eu estou bem

- Onde você está?

- Em um posto de gasolina abandonado. - respondi olhando ao meu redor. - E você?

- Encontrei Kellan na saída da Trash e ele me trouxe em casa. Quer que a gente vá te pegar aí?

- O Kellan está aí?

- Não comece, Kristen. Nós somos amigos, apenas isso.

- Aham, sei... Também quero um amigo que me dê orgasmos quando eu preciso. - a provoquei sabendo de seu passado com ele nos trailers enquanto filmávamos a saga. - Não precisa se preocupar comigo. Eu vou para casa.

- Tem certeza? Você pode dormir aqui se quiser.

- Absoluta. Eu quero ficar sozinha, A.

- Qualquer coisa pode me ligar que eu vou ficar com você.

- Vá montar em seu monkey man que eu sobrevivo uma noite sozinha. Te amo, Alice.

- Te amo, Bella.

Eu não iria empatar a foda de minha amiga, ainda mais porque ela estava uns bons quatro meses sem transar com ninguém e um pé no saco de tão necessitada. Além do mais, eu precisava de silêncio, escuridão, Léo Ferré tocando baixo em meu sistema de som e um maço de Parliament para colocar as coisas no lugar. Avec le temp, va, tout s’en va¹, diria o poeta francês que embalaria meus pensamentos. E eu realmente esperava que com o tempo as coisas se encaixassem e eu entendesse que merda aconteceu comigo aquela noite.


***


¹ Com o tempo passa, tudo vai...